Os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automedicação.

Fazem parte integrante tanto do sistema de saúde do país, do qual constituem a função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. (Declaração de Alma-Ata)

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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA II OFICINA SOBRE ACESSO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE



por Helman Telles*

Os conceitos de acesso e qualidade em saúde estão intimamente relacionados, podendo ser complementares, ainda que não necessariamente de modo simultâneo. A palavra acesso remete a outras, que lhe conferem ou ajudam a conferir significado, tais como: aproximação, chegada, entrada, admissão, alcance. Contudo, no caso específico da saúde pública, tais termos apenas antecipam uma complexidade conceitual que se aperfeiçoa a cada discussão temática. Conforme Travassos, o conceito muitas vezes é “empregado de forma imprecisa, e pouco claro na sua relação com o uso de serviços de saúde. É um conceito que varia entre autores e que muda ao longo de tempo e de acordo com o contexto”.[1]

 Muitas vezes o conceito de acesso confunde-se com o de utilização. Utilização aqui não é mero sinônimo de consumo. Utilizar produtos e serviços de saúde, principalmente no contexto público, dissocia-se da relação entre a oferta que busca atender “necessidade de serviços” - necessidade esta muitas vezes induzida, pelo modelo econômico vigente em nossa sociedade - da “necessidade de saúde”, sendo esta última avaliável a partir de conceitos como morbidade, gravidade e urgência da doença. Para Zepeda, “utilização é qualquer contato com o serviço de saúde. Passar desse contato para um serviço regular é nós quem determinamos”.[2] Tal pensamento sintoniza-se com o de Travassos que entende ser os profissionais, em grande parte, os responsáveis por definir “o tipo e a intensidade de recursos consumidos para resolver os problemas de saúde dos pacientes”.[3] Aqui, podemos agregar à utilização o conceito de regularidade.
Abaixo quadro com os possíveis domínios do conceito de acessibilidade, segundo Frenk J.[4]


Para Travassos, “o comportamento do indivíduo é geralmente responsável pelo primeiro contato com os serviços de saúde, e os profissionais de saúde são responsáveis pelos contatos subseqüentes”.[5] Assim o número de contatos, dentro de intervalos tais, que revertam em impactos positivos para a saúde do indivíduo que busca resolver suas necessidades, vai determinar a eficácia do serviço. A eficiência deste vai depender da abrangência e da boa gestão dos recursos, quer sejam humanos, físicos ou financeiros. A otimização destes em saúde implica não restringir-se a fazer “mais”, como, também, em fazer “melhor”, não apenas por imposições de âmbito científico, mas, também, por exigências do usuário. Conforme Goldbaum, “a literatura relaciona a intensidade e o modo de utilização de serviços com o nível de qualidade de vida, com o nível de conhecimento dos indivíduos sobre a saúde e sobre a rede de serviços. Sua capacidade de auto-avaliar seu estado de saúde, assim como suas expectativas e necessidades de atenção, suas práticas de auto-cuidados, a existência de redes alternativas e o relativo grau de autonomia que possuem também colaboram nesta determinação”.[6] Ainda, no que se refere ao conceito de uso, Travassos define que este “compreende todo contato direto – consultas médicas, hospitalizações – ou indireto – realização de exames preventivos e diagnósticos – com os serviços de saúde. O processo de utilização dos serviços de saúde é resultante da interação do comportamento do indivíduo que procura cuidados e do profissional que o conduz dentro do sistema de saúde”.[7]


Tais questões foram debatidas na II Oficina de Acesso na Atenção Primária à Saúde que, a partir da síntese entre as diretrizes da I Oficina e as experiências locais atentando-se, particularmente, aos “nós críticos”, conforme quadro abaixo, sendo que os destaques em itálico foram temas de grupos de discussão:


 SÍNTESE ENTRE AS DIRETRIZES DA I OFICINA E AS EXPERIÊNCIAS LOCAIS
Itálico: temas de grupos


INOVAÇÕES

NÓS CRÍTICOS

ÁREAS IMATURAS

Modelos semelhantes de acesso no CS:
- atendimento por área adscrita
- atividades colaborativas entre as ESF
Limites das mudanças organizacionais em
ESF incompletas / inadequadas e
esgotamento profissional
Utilização de critérios de avaliação de
risco/vulnerabilidade
Composição e atuação integrada   das
equipes de recepção e de primeiro contato
- deslocamento das decisões da recepção
- atuação dos ACS
Comunicação eficiente para a comunidade
sobre as mudanças e sobre formas de
acesso às ações e serviços
Forma de acesso da ESB
Medidas de desburocratização do acesso
- demandas administrativas e de continuidade
do cuidado (receitas, exames, retornos,
atestados)
Inclusão na agenda a partir do
acolhimento / Acesso continuado após
primeiro atendimento
Necessidades e metodologias de
desenvolvimento profissional continuado
Agenda para demanda espontânea dos
médicos e enfermeiros em todos os turnos
Maior participação do enfermeiro na clínica
X Demandas administrativas e necessidades
de treinamento
Gestão do acesso aberto (agendas,
equilíbrio entre tarefas da ESF)
Escala para escuta qualificada durante todo
o funcionamento com profissional de saúde
Formação da equipe de recepção em
atenção ao público e compreensão dos fluxos
do CS e da SMS
Gestão do cuidado continuado e
colaborativo:
- estratégias de gerenciamento de casos
Ampliação / diversificação das
possibilidades de contato c/ a ESF:
- aumento da freqüência de marcação
- grupos de marcação, de exames, outros
Impacto das mudanças no acompanhamento
de doentes crônicos e grupos protegidos
(crianças, gestantes e idosos)



Adaptações no Infosaúde
- senha de administrativo para ACS
- procedimento INTERCONSULTA
- adaptação a mudanças no SIAB
Tempos de espera ideais (ESF completa e
pop/ESF adequada)
- 24h para 1º contato / 7 dias para consulta
Atendimento de pessoas de fora da área
(turistas, trabalhadores, área de influência)
Diversificação das formas de agendamento
(email, telefone)

Uso de informações do território e da
demanda para programação de ações
Monitoramento da experiência:
- visibilidade e apoio técnico e político

Rigidez dos profissionais e resistência às
mudanças no processo de trabalho



Para saber mais:



Cobertura e fotos: Helman Telles
*CD/SMS

[1] TRAVASSOS, C.; MARTINS, M. Uma Revisão Sobre os Conceitos de Acesso e Utilização de Serviços de Saúde. Cad. de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, Sup 2, p. S190-S198, 2004.
[2] ZEPEDA, Jorge. II Oficina de Acesso na Atenção Primária à Saúde, 08-09 de dezembro, 2011.
[3] TRAVASSOS, op. cit.
[4] FRENK J. The concept and measurement of accessibilitySalud Publica Mexico 1985;27:438-53
[5] Idem.
[6] GOLDBAUM, Moisés et ali. Utilização de serviços de saúde em áreas cobertas pelo programa saúde da família (Qualis) no município de São Paulo. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rsp/v39n1/12.pdf. Acessado em 28 de novembro, 2011.
[7] TRAVASSOS, op. cit.

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