Atenção Primária de qualidade começa com um bom Acesso:
Breve relato das experiências do CS Saco Grande e do CS Ingleses em Florianópolis -SC
Florianópolis possui algumas características na sua rede de serviços públicos de saúde, construídas ao longo da última década, que favoreceram o surgimento de experiências inovadoras na Atenção Primária à Saúde (APS). Destacam-se:
1. A decisão de valorizar a Estratégia de Saúde da Família em vez das Unidades Básicas tradicionais (o que significa definir o médico de família e comunidade e o enfermeiro de saúde da família como porta de entrada e fonte de cuidado continuado; cabendo aos pediatras e ginecologistas o papel de referência secundária);
2. A realização de concursos públicos para médicos(as) de família e comunidade com residência médica ou título de especialidade e o pagamento de um adicional de mais de 20% do salário por essa qualificação;
3. A ampliação e reforma da rede de Centros de Saúde (C.S.) com edificações bonitas, climatizadas e próximas das comunidades;
4. A informatização da rede com um prontuário eletrônico de fácil utilização, boa qualidade, e que permite o acesso a vários relatórios úteis sobre a atenção dispensada.
5. A ampliação da rede de saúde com a abertura de Policlínicas de especialidades e UPAs com a notificação por parte da gestão de que a coordenação do cuidado cabe às equipes de APS (o que vem sendo realizado com alguma dificuldade);
É preciso dizer que o caminho tomado pela rede de atenção de Florianópolis para chegar ao modelo atual possui, obviamente, um papel de protagonismo das últimas gestões na área da saúde, mas um papel fundamental dos profissionais de saúde, especialmente os da APS. Ao contratar profissionais qualificados e oferecer-lhes boas condições de trabalho permitiu-se uma fixação maior do que a média nacional e uma participação continuada desses na construção da rede que existe hoje e do modelo de atenção.
Nesse panorama, dois Centros de Saúde têm se destacado ao buscar inovações para oferecer os princípios fundamentais da APS:
acesso facilitado;
longitudinalidade;
integralidade (no sentido de atenção integral, centrada na pessoa e contextualizada; mas também no sentido de oferta de uma ampla carta de serviços, resolutividade); e
coordenação do cuidado.
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Centro de Saúde Ingleses em Florianópolis - SC |
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Centro de Saúde Saco Grande em Florianópolis - SC |
Em relação ao acesso, muitos modelos já foram experimentados no CS Ingleses e Saco Grande nesses últimos 10 anos (veja tabela com a linha do tempo da atenção à saúde no bairro dos Ingleses). Nos últimos dois anos, no entanto, as soluções encontradas pelas equipes desses CS têm se destacado, tanto pela facilidade para o usuário conseguir uma avaliação de saúde quanto pelo uso de algumas tecnologias, como o email e o telefone, para a comunicação com a população:
• Agenda flexível e que privilegia a necessidade do usuário: metade da agenda diária dos profissionais (MFC e enfermeiros) tem horários destinados às consultas do mesmo dia. Das 8h às 10h e das 13h às 15h, de segunda à sexta, as pessoas são recebidas por suas próprias equipes para resolver suas demandas;
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O papel do enfermeiro no cuidado clínico: para lidar com as principais demandas de até 4 mil pessoas, a participação do enfermeiro na atenção clínica é essencial. Vê-se em muitos locais o enfermeiro dedicar-se mais a um papel burocrático ou de atenção programática: coordenação dos agentes comunitários de saúde (ACS), dos técnicos de enfermagem, dos programas como SIAB, Hiperdia, Sisprenatal, tuberculose e hanseníase, cuidado de gestantes e crianças. Nesse modelo, o médico não será capaz de lidar sozinho com as demandas clínicas de sua população e o acesso piora. No CS Ingleses e no CS Saco Grande privilegia-se o papel clínico da enfermagem, no cuidado geral da população de sua área de abrangência.
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Linha do tempo da rede de saúde no bairro de Ingleses com destaque para os modelos de atenção nos últimos 30 anos |
• Ambiência e consultórios personalizados: Nesses dois C.S., MFC e enfermeiros trabalham lado-a-lado, cada um em suas próprias salas (o que permite alguma personalização do ambiente, na pintura das paredes, o equipamento de trabalho, nos objetos para as crianças, etc..). A melhora da ambiência também incluiu mudanças na sala de espera, com paredes coloridas, mudança da disposição das cadeiras (agora como uma sala de espera e não como fileiras), colocação de som ambiente, de plantas, de mesas e cadeiras para crianças, de livros e de revistas. Todas essas mudanças também foram financiadas pelas próprias equipes dos C.S. Ingleses e Saco Grande.
• Trabalho em equipe e comunicação interprofissional: A organização do acesso, da agenda da enfermagem e da disposição dos consultórios aproxima os MFC e os enfermeiros, o que facilita a atuação clínica desse e permite a fácil comunicação interprofissional em caso de dúvidas ou encaminhamentos internos. Essa comunicação tem sido ainda mais facilitada pela utilização nos dois C.S. de ferramentas de conversa virtual (como o google talk, o msn, skype ou assemalhados);
• O agendamento de consultas por telefone: duas das 5 equipes do CS Ingleses e todas as 6 equipes do CS Saco Grande adquiriram com verbas próprias linhas de telefone celular pré-pago e oferecem para a sua população a possibilidade de agendar uma consulta por telefone. Em algumas equipes o celular fica com um agente comunitário de saúde (ACS) e em outras com um técnico de enfermagem, por um período pré-determinado, como das 8h às 10h e das 13h às 15h, todos os dias ou alguns dias específicos da semana. Uma equipe do CS Ingleses, que já o acesso telefônico há mais de um ano, tem aproximadamente 30% das suas consultas do dia pré-agendadas por telefone.
• O agendamento de consultas e a prestação de informações de saúde por email: as mesmas equipes de ambos os C.S que utilizam o telefone também se comunicam por email com os pacientes da sua área de abrangência. Na equipe que usa essa ferramenta há mais tempo (desde julho de 2010, veja no gráfico), por exemplo, são recebidos em média 60 emails por mês, mais da metade deles para agendamento de consultas e a outra parte para informações sobre saúde ou sobre exames, encaminhamentos e serviços oferecidos no CS.
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Evolução do uso da comunicação por email em uma equipe de saúde da família do CS Ingleses |
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O cartão de visitas: uma das iniciativas mais simples, que tem tido um resultado excelente, e que é o coroamento de todas as mudanças citadas anteriormente, foi a confecção de cartões de visita para cada equipe de saúde da família. Se uma das equipes do CS Ingleses foi a precursora, a primeira no Brasil a ter o seu cartão, o CS Saco Grande é o primeiro do país em que todas as suas 6 equipes fizeram-no. Em ambos os C.S. foram as próprias equipes que financiaram os cartões e nele constam as informações mais importantes sobre como acessá-las (veja fotos abaixo).
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Cartão de visitas (frente e verso) da equipe 431 do CS Ingleses |
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Cartões de visitas das 6 equipes de APS do CS Saco Grande |
Essas são algumas das semelhanças entre as equipes dos dois C.S., mas há diferenças, claro. O destaque no C.S. Saco Grande é a maior coesão da equipe, o número de profissionais dispostos a participar das mudanças e dos processos de decisão e a maior fixação de MFC e de enfermeiros nesse período. Isso tem garantido a esse C.S. uma organização mais homogênea da atenção. No CS Ingleses há dificuldades enormes na fixação dos profissionais de nível superior, mas houve liberdade e espaço físico suficiente para que algumas equipes inovassem no modelo de atenção e, paulatinamente, essas mudanças vêm sendo abraçadas pelas outras equipes.
Paulo Poli Neto
Médico de Família e Comunidade
Centro de Saúde Ingleses
Marly Wuerges de Aquino
Enfermeira, especialista em Saúde da Família
Coordenadora do Centro de Saúde Saco Grande
Opinião de um visitante sobre o CS Ingleses e Saco Grande Como residente do segundo ano de Medicina de Família e Comunidade (MFC) da Faculdade de Medicina da USP tive oportunidade de conhecer em Florianópolis dois centros de saúde que têm se destacado na organização do serviço e na mudança da prática assistencial. Pude observar algumas inovações como o acesso no mesmo dia aos serviços de saúde, utilização de novas tecnologias como celular da equipe, cartão de visitas, e-mail para organização da demanda, carta de serviços diversificada, orientação do método clínico centrado no paciente, entre outras. Algumas barreiras tiveram e continuam tendo de ser vencidas para realização dessa transformação do modelo assistencial, acredito que a mais importante que observei é a convergência de ideias em prol do acesso facilitado que demanda um comprometimento de todos os profissionais participantes do processo. Diferentes graus de compreensão e comprometimento, desde o nível central até a ponta, geram continuamente desgastes e retrocessos. Durante a vivência pude observar que o centro de saúde do Saco Grande apresenta uma maior coesão de ideias e com isso oferece um melhor acesso aos seus usuários. Outra barreira importante é a definição do papel do profissional da enfermagem na assistência e, principalmente, no atendimento da demanda espontânea, assim como a necessidade de um espaço físico compatível com 2 profissionais atendendo por equipe ao mesmo tempo. Após vivenciar o trabalho desses dois centros de saúde tive a certeza de que com dedicação é possível mesmo com 3000-4000 usuários por equipe desenvolver um acesso facilitado, com resolutividade e satisfação dos profissionais e da população assistida. Atender a este e aos outros princípios da APS deve continuar sendo a meta para todos aqueles que acreditam no papel da APS como orientador de nosso sistema de saúde. Médico de Família e Comunidade Centro de Saúde Vila Dalva – São Paulo SP |
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